quinta-feira, 10 de setembro de 2009

quarta-feira, 2 de setembro de 2009

Pañcha Kosha



Fábio Goulart

Estamos relativamente familiarizados com o fato de termos um corpo físico denso. Kosha é uma das palavras sânscritas que designam corpo. Este corpo denso, seria um dos corpos, uma das esferas que fazem parte do que relativamente somos.
Mayah Kosha, significa literalmente "corpo cheio (mayah)". O termo sânscrito mayah, neste caso, não se refere à "algo ilusório", como vem sido usado por alguns autores.
Prána maya kosha, significa "corpo (kosha), cheio de(mayah) Vitalidade (prána).
Vamos utilizar o Tattwa bodha, composto por Shankaracharya para fundamentar nosso estudo sobre os Koshas. O Tattwa bodha é um ensaio visivelmente influenciado também pelo Sámkhya. Acontece que Shankaracharya tentava na sua época conciliar o Vedanta, o Sámkhya, o Yoga (jñana) e também o Tantra.
Um dos mais eruditos comentários sobre o samkhya karika (texto explicativo sobre a hierarquia ontológica samkhya), de Ishwara Krishna, foi traçado por Gaudapada que foi mestre do Govindapada, mestre de Shankaracharya.

Anna mayá Kosha, corpo feito de alimentos. O corpo físico denso. Não existiria termo mais apropriado para designar o corpo, já que somos exatamente o que comemos. O que já sugere a importância de uma dieta saudável, menos tamásica (tamás=obscuridade).

Tattwa bodha 6.4 O corpo denso , da essência do alimento surge e da essência do alimento (anna) envelhece, alcançando a terra na forma de alimento (anna); aquilo que se dissolve é o seu invólucro (koshaa) cheio (maya) de alimento (anna).

Observe a profusão de conhecimento contido neste verso com mais de mil anos. Ele nos alerta para o fato de nosso corpo ser constituído e formado através daquilo com que nos alimentamos. Da mesma forma que o corpo se mantem através da alimentação, através dela própria ele envelhece. Podemos fazer milhares de ensaios apenas com este único feragmento do Tattwa Bodha. Basta que atentemos para o fato da liberação dos radicais livres durante o processo químico que ocorre durante a digestão, observação bastante atual para a ciência, para que possamos pasmar com o conhecimento contido nestes textos antigos.
Aqui fica escancarado o porquê do Yoga preocupar-se com uma alimentação mais saudável. Porque o envelhecimento através da liberação dos radicais livres, podem ser combatidos também através da mesma fonte, a alimentação. Temos uma lista imensa de alimentos com propriedades antioxidantes, que vão justamente combater este processo de envelhecimento. O envelhecimento aqui mencionado não é apenas o processo natural, derivado das ações do tempo, mas sim à deterioração do organismo por alimentos que não contribuem para com um estado saudável.
Este sutra faz ainda que olhemos para o fato de que o corpo, feito daquilo que comemos, é transformado quando a energia vital não habita mais nele. E desta forma, o corpo serve de alimento para a própria natureza, volta a integrar-se ao universo de outra forma.
A divisão destes invólucros é hipotética, já que eles estão costurados um ao outro. E por isso nossa jornada como yogins tem inicio no corpo físico, é a ferramenta que temos em mãos de imediato. Levamos a percepção ao corpo físico denso, vitalizamos cada região com bioenergia, mesmo este anna mayá kosha é constituido de consciência, como tudo no universo e através da prática de ásanas vamos desenvolvendo os potenciais do corpo, entre eles a consciência corporal. Ao acionarmos os mecanismos do corpo estamos impactando em áreas mais profundas, e não tão-somente o corpo. Criamos auto-percepção, estamos em nós mesmos, buscando executar ásanas fortes e ainda sim obter descontração e expansão durante sua prática. Movimentamos a coluna e todos os meridianos energéticos, além dos chakras que seguem por seu eixo. O corpo támasico por natureza passa a ser insuflado por rajás, dinamismo. A vida é dinâmica, e um corpo tamásico tende a tropeçar se não preparado. Emoções e mente estão atreladas ao corpo, vamos até elas através dos ásanas.Quem nunca sentiu o emocional como sempre desejou após praticar ásana? Sentido-se invadido por um enorme bem estar, com energia suficiente para subir uma montanha?
Queremos que a luz do invólucro mais profundo irradie até nosso corpo durante a prática de ásana, queremos o corpo sentindo esta felicidade. Buscamos pela perfeição, buscamos pela liberdade durante a prática. Expandimos e estendemos o corpo rendendo-lhe mais espaço e espaço concede-nos liberdade do corpo, da mente, dos condicionamentos (samskaras), ou seja, seguimos rumo à liberdade suprema.
Durante esta prática nos enraizamos no presente, no aqui e agora. O futuro nós fazemos, não existe, o passado não tem que nos perseguir, só o presente existe. Assim vamos iluminando o corpo, criando um vajra deha (corpo de diamante), levando força, saúde, descontração a cada músculo, cada articulação.

Prána Mayá Kosha, o corpo feito de vitalidade. Calor, eletricidade, vibração, tudo isto é prána, energia.
4 Este corpo sutil é composto dos cinco grandes elementos (mahabhutas) [em estado ainda] não-denso , sua composição surge das ações da existência neste mundo, instrumento [que possibilita] as experiências agradáveis , desagradáveis e etc. através daquelas dezessete partes que permanecem [após a morte do corpo físico]: os cinco sentidos de conhecimento , os cinco sentidos de ação, as cinco energias vitais e etc. , e uma mente (manas) e um único Observador (buddhi). Tattva bodha, Shankaracharya

Os samskaras são registros no subconsciente e inconsciente. São estes registros que reencarnam, gerando tendências, desejos de agir desta ou daquela forma, de ser isto, ou aquilo, esculpindo o ego.

Tattwa bodha 6.6 O invólucro (kosha) cheio de força vital constitui-se das cinco energias (vayu), como a 'força que se move para frente' (prana), etc., e dos cinco órgãos de ação.

O corpo feito de prana é aquele que alimenta com sua energia todos os aspectos do ser. Ele infiltra-se entre os tecidos do corpo e segue para além deles, transmite impulsos elétricos (prana vahaka) que acionam e regem todas as funções do corpo físico. Há algo de mais sutil neste corpo que faz com que ele esteja relacionado também aos chakras, que estão além do corpo físico.
Os cinco vayús são nomes que o prana recebe ao penetrar as cinco regiões do corpo onde ele assume o comando sobre suas funções. São eles: prána, apána, samána, vyána e udána.

O prána atua sobre o peito, o apána na base da coluna vertebral, o samána está situado no abdômen, o vyána por todo corpo como parte essencial dos nervos e o udána é localizado no pescoço.


Mano Mayá Kosha, corpo feito de matéria mental. Este é o próprio psiquismo humano.
Tattwa bodha 6.8. A mente (mana?) e os cinco órgãos de conhecimento (jñana), juntos, quem se tornam o invólucro cheio de mente (mano maya kosha).

Este kosha é formado então por nossos orgãos de percepção, nossos sentidos que transmitem todo o tempo as informações para a mente.
Manás, a mente é como um computador que recebe, processa, armazena informações durante todo o tempo. O dinamismo mental, que faz da mente alterne seu objeto de contemplação todo tempo, possui uma convulsiva necessidade de variar. Na verdade esta é a natureza da mente, não há nada de errado com estas variações intermináveis. Mas podemos ter o poder do foco em nossas mãos. Podemos dizer à mente a hora de nos dar um descanso, de nos permitir que outros mecanismos possam ser acionados, temos o direito de pedir por silêncio. A mente pode se tornar tão volátil que podemos ter dificuldades até mesmo de encerrar um raciocínio, antes que isso ocorra a mente já variou. O foco é fundamental, é a busca por ele que nos faz de escravos a senhores. Uma mente disciplinada recebe os benefícios de poder computar os registros obtidos por níveis mais adiantados de consciência. A meditação produz uma mente desperta, menos turbulenta, no sentido de que seu conteúdo passar a ser mais produtivo. As imagens não são mais turvas e quando e preciso dizer: chega de oscilações! A mente repousa, em um único ponto, e por mais que se sinta tentada a variar, mesmo que o faça, ela volta e pousa novamente sobre o objeto de nosso foco. No Náda Bindu Upanishad a mente é comparada a uma serpente (venenosa?) que encantada pelo som cósmico do Náda, adormece.
O Yoga reconhece que uma mente bem treinada, além de fundamental para a prática, é capaz de muitas proezas que estão acima do comum. Por outro lado manás, a mente não é tão importante para o Yoga. Esta visão se deve ao fato de que o yogin pretende ir além desta estrutura psíquica vulgar, onde as informações são processadas, influenciadas por emoções, geradoras de outras emoções, impactada pelo subconsciente. Os samskaras, impressões latentes, funcionam como sulcos nas profundezas do inconsciente. Tais sulcos condicionam, criam as tendências de sempre se reproduzir o mesmo ato. Funciona, mais ou menos, assim: Um indivíduo que tenha se sentido magoado com alguém pelo fato deste não ter lhe dado atenção. Pode ser que esta mágoa crie um "sulco", um samskara, todas as impressões criam os samskaras. E à partir deste ponto ele cria uma tendência de interpretar os atos de outras pessoas como descaso, e mais uma vez se magoa. Isto se torna cíclico, reincidente. Ao ponto de haver um senso comum entre os amigos que dizem: tornou-se um temperamental!
Manás, a mente, é capaz apenas de formular questões, mas não de resolvê-las. A resolução, o conhecimento escoa de outra esfera. Manás em suas formulações tende, por falta de estrutura, conhecimento correto, testemunho verbal competente, ou por influência dos samskáras, a interpretar erroneamente as situações. O Yoga Sutra inicia descortinando estes "atos falhos" mentais, justamente pelo fato da mente sem Buddhi (intelecto) ser completamente incompetente.
Este erro de percepção, gerado por samskáras, preconceitos, tendências inconscientes, se projeta em nossas escolhas, estende-se até nosso futuro, gera confusão e cega.
É como alguém que age de forma sempre desastrosa, e ao ser bem aconselhado exclama: Eu sou assim!
Assim como? Vítima dela mesma, incapaz de mudar?
A memória é o acervo das experiências; o ego o agente, um personagem; a inteligência é aquela que resolve as equações; a mente, que não possui "mente", segue a direção que for tomada, sem questionar, ou analisar.
O Yoga não vê o ser humano como alguém impotente, mas como alguém que mereça se conhecer, descobrir o que é e torná-lo imortal!
Samskáras são gerados a todo momento, a questão é que devemos substituir os samskáras que se mostrem desastrosos, por samskáras positivos. Normalmente são conteúdos reprimidos. E para isso precisamos experimentar tudo o que nos faça bem e feliz e livre, de forma simples, como um pránáyáma, um pôr-do-sol, um beijo. Vamos sentir vontade de repetir estas ações, assim são os samskáras, eles geram desejos, vásanas.
Nosso corpo mental é radiante, o senhor dos siddhis, muito poderoso, rápido, astuto, capaz de ir para longe, capaz de fazer-se presente no momento atual. Um singelo pensamento pode mudar nossa vida, pode nos alavancar até a conquista de nossos objetivos. Um pensamento pode também ser fatal, um cruel e vigoroso golpe na cabeça.
Por isso há algo que está acima da plataforma mental, onde a consciência flui de forma mais refinada e luminosa, inteligente.

Vijñana Mayá Kosha, a luminosidade desta quarta camada do ser chega à manás. Estes insights, são espécies de flashs de sabedoria, são respostas de nosso Vijñana Mayá Kosha.
Buddhi é de natureza auto-reflexiva, que nos orienta sobre nossas escolhas, é nossa inteligência individual, o potencial criativo. A sabedoria adquirida aqui não é proveniente de fontes externas, porém internas. Buddhi forma o Vijñana maya kosha juntamente com os órgãos de percepção.

Tattwa bodha 6.10 O intelecto (buddhi) e (ca) os cinco órgãos de conhecimento, juntos, são quem se tornam o invólucro cheio de compreensão (vijñana).

Quando executamos pratyahara, recolhendo os sentidos, não havendo mais estímulos externos, podemos entrar em dhárana, unidirecionando a percepção. Desta forma abrimos o caminho para estes insights fluirem de forma contínua, como arroios de conhecimento. A consciência assume o "corpo de conhecimento". Buddhi é a camada do ser formada pela mesma luz de Mahát, a inteligência universal. Esta inteligência universal está essencialmente dentro de tudo que faz parte da natureza (Prakrití).
Da mesma forma como vivificamos nosso Anna Mayá Kosha com a prática dos ásanas, através da prática de samyama (meditação) ativamos o Vijñana maya kosha. Este corpo é quem lança luz sobre elaborações mais complexas, está bem acima das elaborações meramente mentais, egóicas, ou emocionais.
O Vijñana Maya Kosha, reluzente, vai iluminando camada por camada, até o Anna Maya Kosha, o corpo físico denso, permitindo um cérebro com padrões otimizados de funcionamento. A auto-percepção envolve o corpo durante a prática dos ásanas por exemplo; a inteligência desloca-se da "cabeça" e irradia-se por cada fibra muscular, cada filamento nervoso. Por isso a visão de ásana como um mero exercício físico é um equívoco normalmente feito. Ásana estimula os chakras, movimenta o prána pelo corpo, nos leva à Ánanda e ao samádhi.
Quando acessamos este Kosha, concentrando nossa atenção em suas funções e acionamos buddhi, criamos um campo de força que se irradia e pode ser sentido, de tal forma, que este campo pode ser capaz de por uma questão de simpatia aumentar a vibração de quem se aproxima. Aqueles saddhus que passam meses meditando emitem ondas de saber.
Agora observe este trecho do livro A Arquitetura do Eu, do Leonardo Mascaro:
"Em 1952, o físico alemão W.O. Schumann postulou que nosso planeta, sendo, como é, um bom condutor elétrico, teria ao seu redor um bom dielétrico (qualquer substância ou meio no qual um campo se sustenta com mínima dissipação de força), no caso, o a na atmosfera, seguido de outro bom condutor elétrico: a ionosfera. E isto, em si, constitui um sistema ressonante em potencial, que surpreendentemente, conforme medido ainda na década de 1960, pelos Drs. Koch e Pitchum, da Universidade de Rhode Island, nos Estados Unidos, possui características de onda idênticas àquelas ondas elétricas do cérebro humano! Há pessoas que, seja por características herdadas ou treinamento, conseguem sintonizar o componente psicoativo (ondas H) do campo magnético terrestre – que se situa em valores muito baixos, da ordem de um microgauss, isto e, um milésimo de Gauss, e que pode ser entendido como um verdadeiro condutor cósmico de informação – e literalmente efetuam a trasdução desse sinal, assimilando o conteúdo de sua informação, algo comumente observado em faculdades paranormais como a clarividência, por exemplo, quando genuinamente expressas."
Ánanda Maya Kosha, a palavra Ánanda significa felicidade, bem-aventurança, beatitude.
Tattwa bodha 6.12. Assim, de fato, a essência do corpo causal é o desconhecimento(avidyá),pois devido aos movimentos(vrittis) mentais associados a pensamentos de felicidade (priya), etc., essa situação ainda não pura de completa quietude dá existência ao invólucro cheio de bem aventurança (ánanda).

Sat-Chid-Ánanda, Existência, Consciência e Felicidade. Estas são as três qualidades atribuídas ao Todo. A Pura Consciência em seu aspecto transcendente é Nirguna, sem qualidades.
Saguna Brahman é o Brahman com qualidades e é a única forma de Brahman que podemos de fato conceber. Mesmo que façamos referência ao Nirguna Brahman, o não condicionado, este é ainda o Saguna Brahman, condicionado.

O Ánanda mayá kosha ainda não é o próprio Púrusha, ou Brahman, o Si-mesmo essencial. O Púrusha que se espelha sobre a individualidade (que é diferente de ego) está além dos koshas. Avidyá, a ignorância de nosso estado pleno, Uno, é responsável pelos kleshas. Estados dolorosos. Se por um lado a ausência do conhecimento de quem somos gera estados dolorosos(kleshas), por outro lado, a descoberta de quem somos rende um estado de Ánanda, felicidade. Mais uma vez vamos falar sobre a importância do amor, pois este sentimento é também Ánanda. O calor da vida é atributo desta felicidade.
"É preciso que o self, após desenvolvimento do ego, reconheça que está experenciando alguma coisa muito maior do que o self individual. Este conhecimento gera alegria – a alegria do vislumbre de quem realmente somos." Amit Goswami, O Universo Auto Consciente.

A felicidade que é Ánanda não só está dentro de nós, como nos envolve, é parte de nossa natureza. Da mesma forma como temos audição e paladar, braços e pernas, portamos Ánanda. Mas muitas são as pessoas que ignoram seus sentidos, e simplesmente estão inconscientes de seus braços e pernas. Estudiosos, ou dos potenciais mentais, ou da própria filosofia monista fazem troças sobre este fato, dizendo que somos repolhos. Estamos em coma, vegetando, com a visão obstruída para a realidade.
Ánanda é o estado de felicidade livre dos condicionamentos. Não se trata aqui de uma forma de felicidade volúvel, que podemos chamar de alegria, que deriva de um momento e tem seu limite.
O que depreendemos ou constatamos é que através do estudo sobre os koshas conquistamos uma ponte para um melhor viver, uma vez que identificamos nossa felicidade residindo em nosso âmago, assim como o que sentimos, desejamos e assim por diante. Até mesmo nosso corpo é formado através do que habita em nosso interior. Portanto ser feliz é mais do que prazeroso, é saudável, é necessário.